Quando a Netflix te faz prestar atenção na vaca que criamos…
Recentemente assisti por indicação de alguns amigos a uma série catalã chamada Merlí.
Convenhamos: É uma espécie de “Malhação” com a diferença de que cada episódio trata de um pensador ou uma corrente filosófica diferente (já que se passa em uma escola e Merlí é um professor de filosofia), mas a gente sempre tenta aproveitar algo, não? 😉
Pois bem, o episódio 12 da segunda temporada começa com um conto do qual havia esquecido:
A Parábola do Monge e a Vaca
Que diz mais ou menos o seguinte:
“Um velho monge e seu discípulo costumavam visitar as pessoas que moravam em vilarejos distantes da cidade. Num dos seus passeios, já estava anoitecendo e eles ainda estavam no meio de uma estrada, distantes do vilarejo para onde se dirigiam.
Avistaram um sítio, aproximaram-se e pediram pousada durante aquela noite.O sítio era muito simples. Ali, viviam um casal de aparência humilde e seus três filhos.
A pobreza do lugar era visível e mesmo assim, eles acolheram de bom grado a dupla de viajantes.
Durante o jantar, onde fora servido mingau de leite com farinha, o mestre indagou:
-Neste lugar não há sinais de comércio ou de algum trabalho. Também não vimos nenhuma plantação. Como vocês sobrevivem aqui?
O dono da casa respondeu:
– Meu amigo, nós temos uma vaca milagrosa, que nos dá vários litros de leite todos os dias. Uma parte desse leite nós vendemos ou trocamos na cidade, por outros alimentos ou coisas que necessitamos. Outra parte fazemos queijo , coalhada e assim vamos sobrevivendo.
Não sabemos plantar, também acho que essa terra não dá nada e tudo aqui é muito difícil. Ai de nós se perdemos a nossa vaca!
De madrugada, os dois receberam um copo de leite quente. Em seguida, agradeceram a hospitalidade e foram embora. Assim que saíram do sítio, o mestre ordenou ao discípulo que ele pegasse a vaca e a atirasse num precipício. O jovem, surpreso, não só se chateou como ficou revoltado com a atitude desumana do seu mestre:
-Como podemos destruir a única fonte de sobrevivência dessa família?
Relutou um pouco, mas limitou-se a cumprir a ordem do mestre.
Algum tempo depois, retornando sozinho àquela região, o discípulo resolveu se dirigir ao sítio daquela família que lhes hospedara. Chegando lá, qual não foi o seu espanto quando verificou que o local havia mudado muito. O casal que vinha em sua direção era o mesmo, mas estava feliz. As crianças cresceram e, agora estavam bonitas, bem nutridas.
Tudo havia mudado e para melhor: horta, frutas, galinhas, animais diversos passeavam pelo sítio. O jovem, não acreditando no que via e ainda se sentindo culpado, questionou:
– Como é possível vocês terem progredido tanto?!
Ao que o casal respondeu:
– Quando vocês estiveram aqui a nossa situação não era das melhores. Tínhamos só uma vaquinha e toda a nossa sobrevivência vinha dela. Logo após a saída de vocês, aconteceu uma tragédia – nossa vaquinha caiu num precipício.
Entramos em desespero, mas daí em diante tivemos que fazer outras coisas, desenvolver outros meios de sobrevivência. Descobrimos que a nossa terra era fértil e boa para legumes e frutas. Fomos, aos poucos, criando gosto e hoje é essa beleza que o senhor está vendo. Graças à perda da nossa vaquinha.”
Fica a pergunta: Qual é sua vaca?
Às vezes é difícil responder enquanto estamos olhando “de dentro”, mas na maioria das vezes nós é que criamos e alimentamos nossas próprias vacas.